sábado, 1 de junho de 2013

"Receitar urbanas" ou, como invadir com boas ideias

RECEITAS URBANAS

 Santiago Cirugeda  - arquiteto, fundador do estúdio Recetas Urbanas e da rede colaborativa Arquitecturas Colectivas


A legislação municipal de Sevilha estabelece que um terreno vazio deve ser protegido por um muro de 2,40 metros de altura, ainda que isso não impeça que o local se transforme, rapidamente, em um depósito de entulho e lixo, insalubre e estigmatizado no bairro. A mesma normativa urbana, entretanto, prevê que a Prefeitura pode desapropriar o terreno se, no período de dois anos, o proprietário não apresentar um projeto a ser construído ali. O argumento é que um lote vago dentro da cidade é um desperdício de infraestrutura urbana e é pernicioso para a cidade como um todo. Ainda assim, em Sevilha, existem muitos terrenos públicos e privados que estão vazios e murados há mais de vinte anos.
Em março de 2004 apresentei à Secretaria de Urbanismo uma proposta de abertura ao público de dez imóveis localizados na parte central da cidade, de forma temporária, sinalizando que uma simples modificação na legislação poderia transformar substancialmente o espaço. Se, ao invés de levantar um muro, a lei exigisse abrir o lote ao público, pequenos jardins temporários e outros espaços comunitários poderiam ser criados sem prejuízo ao proprietário pois, quando ele resolvesse pelo início da construção, teria o lote pronto e limpo para as obras. Essa modificação facilitaria um maior controle sobre os terrenos da cidade, além de estabelecer medidas jurídicas para que os proprietários tivessem garantidos os seus direitos. Diante dos benefícios que tal medida poderia proporcionar, a Secretaria de Urbanismo de Sevilha aceitou realizar um projeto piloto em terrenos públicos, antes de considerar qualquer modificação legal. Dos dez terrenos propostos inicialmente, os técnicos da Prefeitura conseguiram descobrir os proprietários de somente seis, sendo dois deles de propriedade pública, localizados nos números 80 e 114 da Calle Sol.
No dia seguinte da notícia da abertura dos terrenos para limpeza e adequação, apresentaram-se no número 114 dois advogados reclamando a propriedade do lote. Diante da dúvida, todo o procedimento foi paralizado e o terreno foi novamente fechado ao público. No processo de revisão dos expedientes, ficou comprovado que havia um engano e que o titular do terreno era realmente um particular, e não a cidade de Sevilha. O erro, apesar dos transtornos causados aos envolvidos, demonstrou didaticamente a necessidade de uma revisão sistemática dos arquivos da Prefeitura pela Secretaria de Urbanismo, a fim de que os registros dos imóveis estivessem constantemente atualizados. 
O terreno situado no número 80 foi completamente equipado com
material proveniente dos depósitos municipais, tais como balizas de trânsito fora de uso – preenchidas com concreto – e estruturas auxiliares transformadas em bancos, balanços e gangorras. Além disso, foram coletadas, na empresa que administra os transportes urbanos, coberturas de antigos abrigos de ônibus que se adaptaram perfeitamente ao parquinho temporário, criando zonas de sombra para crianças e idosos.
Essa experiência demonstra que com a abertura dos terrenos seria possível muito mais que playgrounds, jardins e praças públicas temporárias. Com a colaboração dos cidadãos, vizinhos e da administração pública, equipamentos efêmeros, lugares de reunião, centros comunitários, espaços para eventos e até mesmo habitações provisórias poderiam surgir enquanto os terrenos não tivessem um uso definitivo. 
Atualmente, o novo Plano de Ordenação Urbana de Sevilha inclui a legislação para uso temporário de terrenos vazios, detalhada em normas que obrigam a coordenação e atualização constante do registro de imóveis para que a própria Prefeitura tenha maior capacidade de fazer a gestão dos usos temporários. Essa situação excepcional contornou consideravelmente a desconfiança generalizada dos cidadãos com os processos de participação nas políticas públicas e na legislação urbana, ao mesmo tempo que não descartou, em nenhum momento, o uso de estratégias capazes de subverter essas mesmas regras. 






Texto extraído da revista Pisegrama nº 3 - http://piseagrama.org/artigo/498/receitas-urbanas/ 

A nível de destaque, quando encontrei este texto fiquei pensando sobre os espaços criados para os encontros, seria, então, como diz Peter Moss, falar de uma ética dos encontros.
Em tempos em que as crianças estão cada vez mais sozinhas, sem irmãos e trancadas em apartamentos, pensar em uma invasão do espaço público com este propósito, é, no mínimo, deixar de ser um espaço vazios para tornar-se lugares cheios, de vida, de humanos, de relações, de possibilidades...portanto, de encontros.

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