domingo, 18 de agosto de 2013

DOCUMENTÁRIO: MUITO ALÉM DO PESO

Compartilho o documentário "Muito além do peso" exatamente na semana em que o Senado aprova a proibição de alimentos considerados de baixo teor nutricional em cantinas escolar e, além disso, que também proíbe a utilização desses alimentos em seus cardápios.

São alarmantes os dados mostrados, tanto em relação a quantidade de açúcar, sal e gordura dos alimentos, como da quantidade de crianças com problemas causados em função da obesidade ou do sobrepeso. Mas, a mim, é mais assustador ainda perceber o quanto natural tornou-se tais hábitos na vida cotidiana das famílias.

Nesse sentido, destaco algo que durante o documentário é dito pelos pais diversas vezes, "ele gosta", "ele só come isso". O gostar parece estar associado a "natureza" da criança, como se o Ruffles, a Coca-Cola ou, o Macdonald's viesse "embutido" no DNA das crianças.

A criança PASSA a gostar, ou, a criar o hábito por tais produtos a partir do momento que estes são apresentados ou, estão presentes no seu dia a dia. É certo que, como bem destaca o documentário, a TV e a mídia são aliadas a proliferação de tais comportamentos, no entanto, quem compra, quem também consome e, quem deixa a disposição das crianças em suas casas, são os adultos "responsáveis" por elas.

Além disso, fiquei pensando em relação a escola. Não raro, nas festas de aniversário, comemorações de datas festivas, os pedidos e "orientações" das escolas são justamente esses e outros produtos alimentares. Ainda temos a crença de que isso não faz parte do currículo escolar, infelizmente. Pois ao contrário do que se pensa, essa orientação e essa porta que a escola abre a alimentos bons ou ruins também faz parte do processo educacional, ou seja, também está dentre as narrativas das quais vamos situando as crianças no mundo. Também prenuncia que tipo de sociedade a escola está desejando.

Compartilho o documentário para que pais, professores, gestores educacionais e formadores possam pensar, refletir e dialogar sobre "MUITO ALÉM DO PESO".






Mais informações sobre o documentário, aqui.
Mais informações sobre a proibição da 
venda de alimentos gordurosos pode ser acessado aqui.

domingo, 11 de agosto de 2013

FIO DE PROSA COM HERMES BERNARDI JR


Fio de Prosa, tece sua primeira conversa virtual com um Catador e Produtor de Cultura Infantil, o autor e ilustrador Hermes Bernardi Jr.

Para começar nosso Fio de Prosa, quando o Hermes começa a experimentar a escrita? 

De antemão, aviso: essa conversa vai ser longa. Até por que, gosto muito de escrever, que é uma boa forma de diálogo. Estão prontos para ler mais do que cento e quarenta caracteres? Aos corajosos, sigamos!
Comecei a experimentar a escrita na escola, quando em Língua Portuguesa uma das aprendizagens era fazer composição, que passou a ser redação e hoje é produção de texto. Nessa época já havia o que hoje chamam de bullying. Passei maus pedaços na escola por que gostava de escrever, por que era dedicado a aprender. Gostar de estudar não era o modo de ser popular. Em seguida, no teatro escolar, passei a gostar de adaptar livros infantis para a cena. Tinha prazer de fazer histórias impressas se materializarem para que outras pessoas pudessem conhecê-las. Profissionalmente, bem mais tarde, quando me dei conta de que escrever me era vital por que me libertava das minhas esquisitices. Perceber que elas encontravam eco no leitor me tornava uma pessoa comum, mais um entre outros, uma espécie de ação inclusiva voluntária, sabe?

E por qual motivo as crianças são o endereço das tuas palavras, ou, porque você acha que as crianças se identificam com teu modo de escrever?

A infância é o lugar da honestidade, da sinceridade. Se uma criança gosta, gosta e pronto. Se não gosta, também expressa isso de imediato. Bem diferente dos adultos, que dissimulam, se espreguiçam na hipocrisia, aprendem fácil a inveja que leva à astúcia, se encapsulam rapidamente, viram estrategistas, corporativistas e mais um monte de 'istas' que nem cabe relacionar aqui. Não sei se as crianças se identificam com meu estilo de escrita, mas tenho a impressão de que elas percebem que quem o produziu pode ter sido uma criança. Mas escrevo para crianças de qualquer idade. Importa-me a correspondência. Quando escrevo, brinco. Com as palavras, com as imagens que as palavras produzem, com o silêncio que elas exigem, com o olhar e percepção de quem irá lê-las. Brinco de uma maneira comprometida, claro, como uma criança que acredita no seu Era uma vez... A intenção tem sido esta, buscar a inocência do gesto, da atitude na escrita. Quando uma criança brinca o seu era uma vez é genuíno e real. Quando escrevo, vivo o que escrevo intensamente, mesmo que apenas no meu imaginário. Escrever é o meu 'Era uma vez'. Meu lugar da sinceridade genuína, por que eu também virei adulto e também me incrustei das artimanhas. O que, em todos nós naturalmente são estratégias de sobrevivência, creio.

Ilustrar livros, como é combinar as palavras e as imagens quando o autor do texto e da ilustração é o mesmo?

Escrevo profissionalmente há quase quinze anos. Ilustro há cinco. Só agora percebo que me é necessário uma separação nestes gestos autorais. O que eu chamo de deslocamento. Preciso de tempo para me livrar das imagens óbvias que o escritor criou com palavras para me jogar no vazio de uma nova descoberta, de outras imagens possíveis que qualifiquem essa outra voz narrativa, do ilustrador. Recuperar o lugar da infância, de uma outra infância, que não tenha sido a de quem escreveu, que me provoque novamente ao ato criativo a partir de uma mesma base de informações: o ambiente, as personagens, o clima que suscitam as palavras daquela história. De início, me jogo na feitura das imagens indo direto ao óbvio, aquilo que vem incrustado nas palavras que escrevi. No óbvio vou cavando o vazio, no sentido racional, inclusive. Nesse gesto vou me livrando do óbvio, para descartá-lo. Nesse vão um novo repertório de imagens em meu arquivo cerebral vai surgindo, que não aquelas que já o habitam. E não me imponho pressa, o que de minha parte seria descaso com meu leitor. Quando me jogo nesse vazio me encho de outras possibilidades, imagens, caminhos e lugares outros onde possa brincar, mundos que posso construir sem a contaminação do imediatismo publicitário, por exemplo, onde se incrusta cada vez mais a necessidade de soluções hiper eficientes, leituras e imagens que comuniquem de modo rápido e infalível. Tudo mastigado, basta engolir. Não quero isso pro meu leitor. Talvez eu esteja na contramão do mercado. Talvez o livro tenha virado um produto efêmero e eu seja das 'antigas', quando livro era um bem inestimável. Ainda que o mundo esteja inclinado ao descarte tento proporcionar ao leitor esta demodé experiência, para que ele, ao juntar palavras e imagens que proporcionei, seja co-autor da obra. Gosto de pensar que meu leitor pode se deleitar por algum tempo debruçado sobre um livro, que investigue a imagem, a palavra, e descubra pequenos segredos que alojei entre um rasgo e uma aderência. Nesse lugar é que ele dará vida a uma terceira narrativa, a sua. É nesse ponto que ele passará a ser leitor, ao se apropriar dos elementos narrativos que disponibilizei e emancipadamente produzirá, ou não, sentido. Gosto de pensar que meu trabalho como escritor e ilustrador é incitar o leitor a investigar o microcosmo que habita a página. Esse lugar onde mundos surgem e passam a viver dentro da gente. A vida se impregnou de velocidade voltada ao macro. Não acho legal que o livro também se acometa dessa patologia do descarte e da fugacidade. Livro não pode ser um produto descartável por que o mercado acha bom induzir crianças a serem futuras consumidoras. E disseminar essa ideia junto ao meu leitor seria trair o meu ofício. Não posso concordar com isto, haja visto eu não reconheça mais valor no ter do que no entreter, que é estar entre as coisas em vez de possuí-las. A publicidade o faz por que vive do efêmero. Prefiro não avalizar essa postura quando penso Literatura. Livro bom é aquele que nos habita, é um bem perene. O resto é produto. Sou a favor da cultura da leitura, do entretenimento em Arte, em vez da cultura do consumo de livros. Esta última não qualifica leitores.

Um dos seus últimos projetos, como aconteceu o processo?

Meu recente projeto, o livro Vá dormir, princesa!, sendo impresso nesse momento pela Edelbra, nasceu após uma noitada com amigos em Caxias do Sul, por conta de meu aniversário. Estava hospedado na casa de minha irmã Simone e de meu cunhado Leonardo. No dia seguinte, após o almoço, fui colocar Clara, minha sobrinha de dois anos pra dormir. Ocorre que eu estava numa ressaca daquelas e ela não queria de jeito maneira tirar uma sesta. Ela queria brincar. E eu lá, implorando à 'princesa' que fosse dormir. Dei-me conta de que aquilo não era algo só nosso. Uma bela adormecida às avessas habita o imaginário de muitos de nós. Quem nunca teve dificuldade para fazer dormir uma criança? Desse instante nasceu o texto que escrevi tão logo retornei para Porto Alegre. Aprovado imediatamente pela editora, pus-me a cavar o vazio rasgando papéis, o que no meu entender recupera o gesto artístico primeiro. Nesse rasgar embarco outra vez no lúdico, numa viagem, buscando formas nas sobras do meu material de trabalho. Juntando-as, separando-as, sobrepondo-as vejo algum mundo escondido nos vãos do texto se materializar, permito que seja real através desse meu gesto pueril. Depois, hora de dar unidade a isto. O que eu chamo de trabalho, meu prazer ainda maior, por que requer distanciamento, desapego do óbvio. E aqui, sim, vale a experiência do olho que se alfabetiza permanentemente nas aulas de desenho e pintura no Atelier Livre Xico Stockinger, nas visitas aos museus, galerias, na sinceridade de manter meu olhar estrangeiro, dos materiais de trabalho, diálogos com pessoas a quem admiro e os percursos diários, tudo isso esbarrando no mundo ao redor abre um novo campo para a criação. E gosto de ter consciência disto, estar atento a isto, para não perder o 'fio" no labirinto e ser devorado pelo Minotauro.

E pra deixar a prosa continuar, projetos futuros?? Quer contar sobre?

Antes, quero lhe agradecer pelo convite para esta prosa. Me deste fio e eu não resisti seguir desemaranhando-me diante do leitor do teu blogue. Muito obrigado, viu. E, muitos vivas aos que chegaram até aqui. Ler requer tempo e um desprendimento do que nos acometeu o veloz, burocrático e virtual cotidiano.
E, para responder a esta sua última pergunta... houve um tempo que, a cada dia eu acordava com uma ideia nova para um novo projeto. Tinha que participar de determinado edital, tinha que estar em determinado evento, tinha que e tinha que... Conclusão: vivia ansioso. Outra patologia, talvez a mais danosa desse nosso tempo. Tenho dúvidas se da ansiedade nasça algo forte e resistente. Pode ser mais terapêutico do que oficioso. Seria ofensivo tratar meu trabalho como lugar para terapia. Por tais motivos decidi imprimir foco naquilo que de fato provoca manter vivo meu olhar e coração estrangeiros, naquilo que me interessa como pesquisador da área em que atuo, ou seja, a Arte. Escrever é uma Arte, Ilustrar é uma Arte. Livro é Arte. Deixei de ler todos os livros infantis que são publicados. Boa parte deles não me interessa. Enche prateleira, não me preenche como leitor. Claro, estou mais exigente como leitor. Sou o que classificam de leitor crítico o que, aliás, atemoriza por que um leitor crítico questiona, argumenta, reflete, interroga. É o caminho natural da pratica de leitura contínua. E entendo quem não goste de ler o que produzo. Ler é um ato democrático, temos de respeitar os diferentes leitores e os níveis de leitura em que cada um se encontra e necessita. Quero fazer trabalhos legais com pessoas também legais, e engajadas, com quem seja possível criar um ambiente dialético renovador. Se for bacana, o leitor saberá e consequentemente irá também se descobrir, reconhecer-se como identidade, com suas singularidades dentro de questões plurais. Estou querendo uma utopia, eu sei, mas é o que mantém a fidelidade do meu gesto para com o outro. Para alguns, isso pode soar arrogante por que no Brasil há uma cultura de que vale mais nos sentirmos ignorantes sobre nós mesmos sem ter consciência sobre nossos processos do que nos localizarmos dentro deles, mesmo que seja para evitar repeti-los. Mas, explico, o que para alguns pode parecer arrogância é apenas o modo, ou a estratégia apreendida, de tentar me salvar - ao meu leitor, a minha Arte - de uma crescente e visível padronização comportamental. Sou um trabalhador apaixonado por tudo o que nos provoca o trabalho. Continuar o sendo é o meu grande projeto.
Meu abraço,
 

Hermes Bernardi Jr. 
Escritor e Ilustrador de LIJ
http://www.hermesbernardijunior.net