Observatório da Cultura Infantil

Encontros de 2016












Notas do primeiro encontro do OBECI – 27/05/2013


OBSERVANDO OBSERVÁVEIS

por Paulo Fochi


O que seriam notas de um encontro movido pelas presenças, portanto, jamais repetíveis? Seria, como as notas de uma música, pois neste sentido, as notas são “para aproximar dela e compor, deixar ouvir algo de sua melodia” (CONTRERAS, LARA 2010 p. 23). Ou ainda, as notas que a seguir compartilho são como aquelas da degustação de um vinho. Servem “como anotações para captar a compreensão de sensações e percepções que anunciam algo do que se pode sentir, experimentar, quem o beba, porém outros só podem verificar mediante a própria experiência, isto é, passando pela experiência”(ibidem).

Nesse sentido, trago notas não com caráter informativo, mas sim, como a abertura de novas experiências em um campo que nos exige estar atentos e em alerta para compreender os diversos acontecimentos ao nosso redor, movido por experiências particulares e coletivas, impulsionado por contextos, balanceado pelo tempo. É só assim, eu acredito, que das experiências particulares podemos produzir novas, ao passo que, como diz Dewey (2007), a experiência, assim como homem, jamais nasce e morre pra si mesma.





Dos observáveis



O pátio; o lugar dos livros ou, os lugares; a festa e a homenagem. Que mais precisamos para refletir sobre a cultura infantil e a cultura pedagógica quando nos dispomos a registrar, interpretar e refletir sobre tais observáveis?

O primeiro exercício do Observatório da Cultura Infantil mobilizou a reflexão de aspectos do cotidiano das escolas infantis e, como tantos outros, estão repletos de questões a serem consideradas, pensadas, refletidas e debatidas nos contextos da educação de crianças pequenas.

A demanda inicial consistia na equipe gestora de cada escola definir algum aspecto de cada escola para ser registrado e refletido em conjunto. A metodologia não orienta nem encaminha nenhum formato, apenas, propõem princípios a serem considerados por cada coletivo. A saber:

*  Produzir registros (fotográfico, audiovisual, anotações, produções das crianças) a serem organizados de forma que permita conduzir e estruturar uma reflexão junto ao grupo de profissionais de cada escola e, posteriormente, com o coletivo do Obeci;

*  Organizar um espaço na escola que promova a discussão a respeito do observável escolhido e, garantir que as diferentes vozes possam ser escutadas e levadas em consideração;

*  Registrar – produzindo assim novos observáveis – as considerações, reflexões e apontamentos feitos em cada encontro com o grupo de profissionais de cada instituição;

*  Ter como pauta de debate a organização de referenciais para definir princípios ao observável eleito;

*  Compreender que um observável não se esgota facilmente, mas pode e deve ser um objeto de profunda e de longa investigação.

Esses foram alguns dos princípios traduzidos no trabalho que as três escolas envolvidas compilaram neste primeiro momento, na primeira prática de trabalhar com o exercício da Abordagem da Documentação Pedagógica.

Contudo, ainda resta ao grupo uma ampliação dos conceitos a respeito do que é observar. Embora a opção teórica é a de compreender a observação enquanto escuta, e, portanto, ter claro que “se não aprendermos a escutar as crianças, será difícil aprender a arte de estar e conversar com elas (de conversar em um sentido físico, formal, ético e simbólico)” (MALAGUZZI, 1994 apud HOYUELOS, 2004, p. 131), nos falta este exercício que consiga propor um tensionamento entre os nossos desejos e a abertura ao inesperado.

Não podemos observar a partir do nada, mas da mesma forma, observar algo com a finalidade de comprovar algo que já sabemos é também uma forma equivocada de registro e produção de um observável.

Então, qual será a fórmula, a dosagem correta entre a abertura ao novo e as motivações para observar e registrar? Talvez esteja em boas perguntas, ou, levando em conta nossa tradição pedagógicas, deslocar o tipo das perguntas que se faz.

Por exemplo, a tradição pedagógica nos impõem questões do tipo “como ensinar a criança sobre os números?”, ou seja, partimos do pressuposto que a criança não tem nenhum patrimônio de conhecimento a respeito dos números e o adulto ensina, ou, transmite tal conhecimento. Por mais que tentemos afirmar que não consideramos a criança vazia, todo o movimento da didática é refletir a construção de um ensinamento à criança partindo de um vazio (mesmo que negado, a forma de ensinar as crianças não abrem o espaço para que elas tragam suas formas de compreender o assunto em questão). Nessa mesma perspectiva, todas as crianças partem da mesma zona de conhecimento e da mesma maneira, aprendem de forma homogênea. Assim, não observamos com a finalidade de conhecer as crianças e sim, de verificar se aquilo que ensinamos foi “absorvido” por elas.

Na perspectiva que aqui se defende, da escuta na Abordagem da Documentação Pedagógica, existe uma mudança de foco, um deslocamento tanto na pergunta que se faz, como, na concepção que se tem a respeito do patrimônio de conhecimento das crianças. Desta forma, a “boa pergunta” seria indagar-se sobre “como as crianças constroem as hipóteses numéricas?”, ao passo que, já de antemão se parte da ideia que a criança ou tem uma pré- disposição a tal conhecimento, ou/e, tem experiências pessoais que configuram a possibilidade de já ter construído algum tipo de patrimônio de conhecimento a respeito do assunto que, sem dúvidas, determinam a forma como ela vai, ao longo do tempo, chegar ao modo que a humanidade organizou e nomeou esse ou aquele conhecimento.

Ou seja, existe um equilíbrio entre o que ser observar (a forma como as crianças constroem o número) e a abertura ao inesperado (não sei como as crianças constroem o número, tenho hipóteses a respeito). Não se parte do nada, a procura que algo aconteça, assim como, não se vai ao registro querendo confirmar algo já de antemão previsto.

O mesmo vale para qualquer outra questão que se queira registrar. Como foram os exemplos do primeiro exercício feito por este coletivo. Por exemplo:

Quais formas que as crianças habitam o pátio? O que o contexto do pátio promove? Como as espacialidades-temporalidades-materialidades do pátio são utilizadas como forma de reflexão-ação de professores na escola?

Essa dinâmica propõe outro estado de atenção aos observadores – professores e equipe gestora – tanto no que diz respeito no momento da produção dos registros, como, na organização dos observáveis para serem compartilhados entre os profissionais da equipe e, posteriormente, quando tornamos visíveis aos pais e a comunidade nossas imagens de criança, escola e docência.





As notas finais do encontro que abrem diálogos

Depois da segunda-feira de outono, iluminada por um sol que aqueceu e desencadeou uma manhã produtiva e colocou em debate tantos aspectos, compartilho as notas para serem refletidas e ampliadas.

*  A necessidade de construir referenciais sobre o tópico que se escolheu registrar;

*  Tais referências nascem do cruzamento teórico x prático x crenças e valores. Ou seja, não significa a mera transposição de um argumento teórico, nem mesmo, o simplismo daquilo que consideramos a respeito. Deve, ao contrário, conseguir comungar as nossas convicções com os nossos tensionamentos teóricos;

*  A falta e o excesso de observáveis podem atrapalhar a construção de um documental;

*  Escolher uma imagem é como escolher as palavras que usamos para escrever um texto, ou seja, é também uma forma de narrar. Assim, é preciso exercitar as formas de registro e exercitar aquilo que decidimos compartilhar para uma reflexão;

*  É preciso estar alerta para não deixar ser levado por aquilo que “eu quero” em relação ao fato observado. Os registros podem nos levar a pensar sobre outros universos a respeito. Se estiver fechado sob um ponto de vista, deixarei de escutar outras vozes e outras possibilidades. Não se pode esquecer que os observáveis muitas vezes nos levam ao confronto sobre aquilo que queremos;

*  Dos registros, conseguir extrair novos pontos a serem refletidos, inclusive, outros não imaginados;

*  Um debate para interpretar os observáveis não é uma sessão de justificativa sobre o que se faz ou sobre o que não se faz, mas sim, deve ser uma oportunidade centrada na reflexão sobre o que tais registros, ou, tais observáveis nos levam a pensar e conhecer sobre as crianças, sobre a docência e sobre o fazer pedagógico;

*  O compartilhamento com os profissionais das escolas sobre os registros produzidos pode ser, de um lado, para leva-los a observar um aspecto, mas também pode se configurar como uma oportunidade de ampliação de repertório;

*  É preciso ampliar os pontos de vista! Trazer imagens, vídeos, textos e outras referências aos professores são maneiras de ampliar seus modos de olhar sobre o observável em questão;

*  A produção de observáveis pode ser dar através de fotografias, vídeos, anotações e das próprias produções das crianças;

*  O confronto dos registros com as profissionais das escolas deve ser organizado tanto em momentos particulares, quando assim for o mais conveniente, quanto em momentos coletivos, para ampliar os debates;

*  Ter claro que, mesmo aquilo que a gente imagina que “todos sabem”, sempre haverá uma outra forma de saber.

TEXTO DE APOIO